quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Política - Razões Irracionais


Razões Irracionais
EUGÊNIO BUCCI

Na ressaca do segundo turno das eleições municipais, os partidos se engalfinharam no terceiro turno, esse festival de argumentos fajutos e euforias artificiais. Se os dois primeiros turnos se resolveram pelo voto, o terceiro dá a impressão de ser um concurso de blefes e de bravatas: todo mundo diz que foi vencedor. Ninguém perdeu. Um ganhou terreno nas cidades com mais de 200 mil habitantes, outro conquistou o maior número de prefeituras de municípios interioranos, há também aquele que, embora tenha caído em relação às eleições passadas, conseguiu expandir a quantidade de vereadores.

Os critérios se multiplicam numa escala surrealista, quase ao nível da comédia, e todos os partidos se sentem à vontade para comemorar. Aquele lá foi o que mais elegeu prefeitos de olhos azuis, enquanto o outro conquistou mais votos em cidades que têm nome de santo.

O terceiro turno de 2012 não guarda nenhum compromisso com a lógica ou com a verdade. Tudo bem que cada um tenha lá sua razão, mas, quando analisadas em conjunto, quando confrontadas entre si, essas razões se mostram incongruentes, irracionais. A cada dia mais, os partidos políticos assumem a fala fácil dos vendedores de automóveis. Usados. A gente não tem como deixar de ouvir, mas vai aprendendo a duvidar.

Entre tantas alegações surrealistas desimportantes, que poderíamos dar de barato, deixar para lá, há argumentos que preocupam. A irracionalidade partidária, nesta nossa ressaca eleitoral, alcança temas de dimensão nacional e instaura uma confusão menos cômica e mais delicada. Os partidos se distanciam da própria coerência sem a menor cerimônia, tanto os governistas, o PT entre eles, como os que fazem oposição ao governo federal.

A incoerência dos petistas grita mais alto quando a matéria é mensalão. Uma, pelo menos uma, é bastante séria e põe em risco a credibilidade da sigla. Pelo estatuto do Partido dos Trabalhadores, os réus condenados pelo crime de corrupção deveriam ser expulsos. O artigo 231 do estatuto, inciso XII, afirma, em seu linguajar bacharelesco, simplesmente o seguinte:

“Dar-se-á a expulsão nos casos em que ocorrer condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado”.

Para que fique claro: a expressão “sentença transitada em julgado” significa decisão definitiva, que não admite mais nenhum recurso dentro do Poder Judiciário brasileiro. É exatamente esse o caso. Como o Supremo Tribunal Federal é a instância mais alta (suprema) do Poder Judiciário, o que ele decide está decidido, sem chances de apelação. Logo, o PT deveria cumprir seu estatuto e iniciar o processo de expulsão dos condenados. Até agora, não tomou nenhuma iniciativa para isso.

A indecisão faz sangrar a credibilidade do PT porque sugere que alguns dos militantes estão acima dos demais, acima do próprio estatuto do partido. O Código de Ética da legenda, outro documento oficial do PT, aprovado em 2009, condena expressamente a santificação de quem quer que seja:

“No Partido dos Trabalhadores, ninguém poderá estar acima das exigências éticas e das decisões democraticamente aprovadas pelas instâncias partidárias. Toda e qualquer transgressão ética cometida por militantes, dirigentes, parlamentares e governantes petistas deve ser apurada e punida com rigor e transparência pelo próprio Partido”.

Portanto, para não escamotear um assunto tão grave com o expediente fácil das razões irracionais, ou bem o PT inicia o processo de expulsão dos condenados ou muda suas normas internas. A sociedade merece o esclarecimento.

Não que a oposição seja melhor. Não é mesmo. O DEM e o PSDB incorrem em suas próprias razões irracionais quando se agarram às tenebrosas denúncias de Marcos Valério para propor novos inquéritos contra outros pretensos integrantes do mensalão. Claro que a oposição tem o direito de sugerir o que quiser, mas, se é para levar a sério as alegações da defesa de Marcos Valério, deveria olhar também para o mensalão mineiro, vulgo mensalão tucano, já que o advogado de Valério, Marcelo Leonardo, declarou na semana passada que o Ministério Público Federal tratou com muito menos rigor o escândalo mineiro. Se achassem de verdade que a defesa de Valério merece crédito, DEM e PSDB defenderiam a apuração integral e imediata do mensalão tucano. Francamente, você acha que a oposição no Brasil teria grandeza para isso?

A razão irracional não se manca: ofende a inteligência e a consciência do público e acha que ninguém se dá conta.

EUGÊNIO BUCCI é jornalista e professor da ECA-USP
Acesso em 2013-02-12

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