Razões Irracionais
EUGÊNIO BUCCI
Na ressaca do segundo turno das eleições
municipais, os partidos se engalfinharam no terceiro turno, esse festival de
argumentos fajutos e euforias artificiais. Se os dois primeiros turnos se
resolveram pelo voto, o terceiro dá a impressão de ser um concurso de blefes e
de bravatas: todo mundo diz que foi vencedor. Ninguém perdeu. Um ganhou terreno
nas cidades com mais de 200 mil habitantes, outro conquistou o maior número de
prefeituras de municípios interioranos, há também aquele que, embora tenha
caído em relação às eleições passadas, conseguiu expandir a quantidade de
vereadores.
Os critérios se multiplicam numa escala
surrealista, quase ao nível da comédia, e todos os partidos se sentem à vontade
para comemorar. Aquele lá foi o que mais elegeu prefeitos de olhos azuis,
enquanto o outro conquistou mais votos em cidades que têm nome de santo.
O terceiro turno de 2012 não guarda nenhum
compromisso com a lógica ou com a verdade. Tudo bem que cada um tenha lá sua
razão, mas, quando analisadas em conjunto, quando confrontadas entre si, essas
razões se mostram incongruentes, irracionais. A cada dia mais, os partidos
políticos assumem a fala fácil dos vendedores de automóveis. Usados. A gente
não tem como deixar de ouvir, mas vai aprendendo a duvidar.
Entre tantas alegações surrealistas desimportantes, que
poderíamos dar de barato, deixar para lá, há argumentos que preocupam. A
irracionalidade partidária, nesta nossa ressaca eleitoral, alcança temas de
dimensão nacional e instaura uma confusão menos cômica e mais delicada. Os
partidos se distanciam da própria coerência sem a menor cerimônia, tanto os
governistas, o PT entre eles, como os que fazem oposição ao governo federal.
A incoerência dos petistas grita mais alto quando a matéria é
mensalão. Uma, pelo menos uma, é bastante séria e põe em risco a credibilidade
da sigla. Pelo estatuto do Partido dos Trabalhadores, os réus condenados pelo
crime de corrupção deveriam ser expulsos. O artigo 231 do estatuto, inciso XII,
afirma, em seu linguajar bacharelesco, simplesmente o seguinte:
“Dar-se-á a expulsão nos
casos em que ocorrer condenação por crime infamante ou por práticas
administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado”.
Para que fique claro: a expressão “sentença transitada em
julgado” significa decisão definitiva, que não admite mais nenhum recurso
dentro do Poder Judiciário brasileiro. É exatamente esse o caso. Como o Supremo
Tribunal Federal é a instância mais alta (suprema) do Poder Judiciário, o que
ele decide está decidido, sem chances de apelação. Logo, o PT deveria cumprir
seu estatuto e iniciar o processo de expulsão dos condenados. Até agora, não
tomou nenhuma iniciativa para isso.
A indecisão faz sangrar a credibilidade do PT porque sugere que
alguns dos militantes estão acima dos demais, acima do próprio estatuto do
partido. O Código de Ética da legenda, outro documento oficial do PT, aprovado
em 2009, condena expressamente a santificação de quem quer que seja:
“No Partido dos
Trabalhadores, ninguém poderá estar acima das exigências éticas e das decisões
democraticamente aprovadas pelas instâncias partidárias. Toda e qualquer
transgressão ética cometida por militantes, dirigentes, parlamentares e
governantes petistas deve ser apurada e punida com rigor e transparência pelo próprio
Partido”.
Portanto, para não escamotear um assunto tão grave com o
expediente fácil das razões irracionais, ou bem o PT inicia o processo de
expulsão dos condenados ou muda suas normas internas. A sociedade merece o
esclarecimento.
Não que a oposição seja melhor. Não é mesmo. O DEM e o PSDB
incorrem em suas próprias razões irracionais quando se agarram às tenebrosas
denúncias de Marcos Valério para propor novos inquéritos contra outros
pretensos integrantes do mensalão. Claro que a oposição tem o direito de
sugerir o que quiser, mas, se é para levar a sério as alegações da defesa de
Marcos Valério, deveria olhar também para o mensalão mineiro, vulgo mensalão
tucano, já que o advogado de Valério, Marcelo Leonardo, declarou na semana
passada que o Ministério Público Federal tratou com muito menos rigor o
escândalo mineiro. Se achassem de verdade que a defesa de Valério merece
crédito, DEM e PSDB defenderiam a apuração integral e imediata do mensalão
tucano. Francamente, você acha que a oposição no Brasil teria grandeza para
isso?
A razão irracional não se manca: ofende a inteligência e a
consciência do público e acha que ninguém se dá conta.
EUGÊNIO
BUCCI é jornalista e professor da ECA-USP
Acesso
em 2013-02-12
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