Quintino Cunha, o Primeiro Moleque Cearense
José
Quintino da Cunha foi advogado, escritor e poeta cearense. Bacharelou-se pela
Faculdade de Direito do Ceará em 1909, e a partir de então começou a exercer a
profissão de advogado criminalista.
Foi
deputado estadual na década de 1910, mas logo desistiu da carreira de político
e encabeçou a campanha do Bode Ioiô para Vereador de Fortaleza, fazendo o
animal tirar votos suficientes para ser eleito, caso possível fosse.
Ficou
bastante conhecido por seu estilo irreverente e carismático, também lembrado
pelas anedotas que contava. É tido como o mais lendário de nossos humoristas
literários, o maior de nossos poetas cults.
Excêntrico sem ser snob. Feio mas
cativante. Eternamente esquecido, sempre resgatado, figura ao lado dos grandes
mestres do improviso literário ferino, como Bernard Shaw, Quevedo e Swift,
sendo considerado pelo crítico Agripino Grieco "o maior humorista
brasileiro de todos os tempos”.
Menino
ainda, Quintino Cunha foi convidado a passar uns dias das suas férias na casa
de dois coleguinhas de colégio. Convite aceito, viajou até a casa combinada
onde deveria hospedar-se por alguns dias, com os convidantes anfitriões. Lá
chegando, não encontrou os colegas que haviam viajado para outro destino, sem
deixar recado. As tias idosas dos meninos, donas da casa, convidaram-no a ficar
e aguardar a chegada dos seus sobrinhos. Quintino não se fez de rogado e ficou,
aceitando o convite!
À
noite não lhe ofereceram jantar e nem café, ou almoço no dia seguinte. Ele
matou a fome com as fruteiras do quintal. Resolveu ir embora dali e o fez,
deixando um bilhete sobre a mesa:
“Adeus casinha da fome,
Nunca mais me verás tu
Criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha no cu.”
Já
célebre advogado, a fama de Quintino Cunha era grande no Nordeste. Tinha havido
um crime no interior da Paraíba, onde pai e filho assassinaram um adversário
político. Para defendê-los, convidaram o célebre causídico. Este fez a defesa
com muita propriedade conseguindo a absolvição dos réus. A cidade fez festa de
comemoração pela semana, hospedando Dr. Quintino no melhor hotel. Sua fama
correu rápida por todo o município e o feito atingiu proporções.
Eis
que surge no hotel um humilde casal dos sítios afastados. O marido dirigiu-se
ao advogado expondo-lhe o desejo de um desquite, em face dos desentendimentos
do casal. Dr Quintino então pergunta-lhe se este possui algum bem, alguma
propriedade.
-
Não doutor, eu nada “pissuo” e trabalho alugado, em sítios alheios.
Vira-se
para a esposa e faz-lhe idêntica pergunta, vindo a resposta:
-
Doutor, pra que a verdade lhe seja dita eu ainda tenho menos que ele.
Dr.
Quintino respondeu-lhes em versos:
"A questão é muito tola!
Aqui mesmo, eu os desquito.
Fique ele com sua rola
E ela com o seu priquito."
Conhecido
e até hoje contado pelos frequentadores da Praça do Ferreira, o causo da defesa
do deficiente físico conhecido apenas como Francisco, apelidado de “Chico Mêi
Cu”, foi uma das mais famosas proezas de Quintino Cunha.
Conta-se
que nos idos anos 20, um pobre deficiente físico, sem pai nem mãe, sem eira nem
beira, mancava pelas ruas do Centro da pequena Fortaleza, onde fazia os
biscates que lhe davam o pouco para o sustento. Encabulado, quieto e calado,
aparentava não dar importância ao canelau que mangava à sua passagem: “Chico
Mêi Cu!”, “Chico Mêi Cu!”, “Chico Mêi Cu!”. Foram anos de chacotas.
Certa
feita, num ato de cólera, Francisco fez uso de uma peça perfil-cortante que
transportava, e ceifou a vida de um de seus mais ferrenhos mangadores. Foi
detido e de imediato levado à cadeia pública, onde ficou por um tempo
aguardando julgamento.
No
dia do juízo, atendendo às súplicas dos que rogavam pela libertação de
Francisco, em defesa deste, fez-se presente diante do Júri o renomado advogado
Quintino Cunha. Após as interlocuções vigorosas da promotoria, que pedia
condenação com pena máxima para o réu, o Juiz deu a vez da defesa, à qual
Quintino deu início:
-
Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em
defesa de Francisco eu tenho a dizer que... (Pausa).
Após
alguns segundos de pausa, ele repete:
-
Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em
defesa de Francisco eu tenho a declarar que... (Nova pausa).
Após
os novos segundos de pausa, ele torna:
-
Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor, Respeitabilíssimos Jurados. Em
defesa de Francisco eu poderia falar que...
De
imediato o Juiz esbraveja:
-
MAS QUANTA DEMORA! O SENHOR IRÁ OU NÃO DAR INÍCIO À DEFESA?
Ao
que Quintino replica:
-
Repare só, Meritíssimo: Não faz sequer um minuto que eu só me dirijo a vós de
forma respeitosa, e já provoquei vossa inquietação. Agora imagine Vossa
Excelência, o que deve ter passado pelas idéias do pobre Francisco, após todos
esses anos de achincalhamento e mangoça pública.
Seguindo,
Quintino Cunha deu continuidade ao discurso de defesa. E com toda a eloquência
e poder de convencimento que lhes eram peculiares, conseguiu a absolvição do
réu. Saiu do tribunal carregado nos braços por seus amigos, rumo ao botequim
mais próximo.
Hoje,
a maioria dos cearenses não sabe que foi Quintino Cunha. Nem mesmo os moradores
do bairro que leva o seu nome o conhecem. Por isso é importante o repasse deste
e-mail, para que a memória do precursor da molecagem cearense não caia no
esquecimento.
Viva
a irreverência cearense!
Viva
Quintino Cunha!
José
Quintino da Cunha
* Itapajé, 24 de
julho de 1875 ;
+ Fortaleza, 1º de
junho de 1943
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