Passei a
admirar as crônicas do poeta e escritor maranhense Ferreira Gullar, a partir do
momento que ele deixou de ser comunista obtuso para ser socialista esclarecido.
Daqueles que caíram na real com a queda do muro de Berlim.
Só o Chefe Não Sabia
Ferreira Gullar
Sem dúvida que estava a par de
tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados
Falando francamente, qual é a
imagem que se tem de Lula? Melhor dizendo, se alguém lhe pedisse uma definição
do nosso ex-presidente da República, qual daria? Diria que se trata de uma
pessoa desligada, pouco objetiva, que mal repara no que se passa à sua volta?
Estou certo de que não diria isso, nem você nem muito menos quem privou ou
priva com ele.
Ao contrário de alguém desligado,
que entrega aos outros a função de informar-se e decidir por ele, Lula sempre
se caracterizou por querer estar a par de tudo o que acontece à sua volta e,
muito mais ainda, quando se trata de questões ligadas a seu partido e à
realidade política em geral.
As pessoas que o conheceram no
começo de sua vida política, como os que lidaram com ele depois, são unânimes
em defini-lo como uma pessoa sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber
do que se passava na área política e, particularmente, o que dizia respeito às
disputas, providências e articulações que ocorriam dentro do seu partido e no
plano político de um modo geral.
Isso já antes de sua chegada ao
poder. Imagine você como passou a agir depois que se tornou presidente da
República. Se hoje mesmo, quando já não ocupa nenhum cargo no governo nem no
partido, faz questão de saber de tudo e opinar sobre tudo, acreditaria você
que, no governo, deixava o barco correr solto, sem tomar conhecimento do que
ocorria? Isto é, sabia de tudo menos do mensalão?
Veja bem, hoje mesmo, alguma
coisa se faz na Câmara dos Deputados ou no Senado sem o conhecimento da Dilma?
Os repórteres, os comentaristas políticos estão diariamente a nos informar do
controle que o Planalto exerce sobre o Parlamento.
A cada problema que surge, a cada
decisão importante, Dilma convoca os líderes da base parlamentar para dizer a
eles como devem agir, como devem votar, que decisões tomar. Isso Dilma, hoje.
Imagine o Lula, quando presidente, mega como sempre foi, mandão por natureza.
Sem dúvida que estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus
paus-mandados. Dá para acreditar, então, que ele só não sabia do mensalão, nem
sequer ouvira falar? Claro que você não acredita nisso, nem eu.
É evidente que Lula não podia
ignorar o mensalão porque não se tratava de uma questão secundária de seu
governo. Longe disso, o mensalão foi o procedimento encontrado para, com
dinheiro público, às vezes, e com o uso da máquina pública, noutras vezes,
comprar o apoio de partidos e os votos de seus representantes no Congresso.
Não se tratava, portanto, de uma
iniciativa secundária, tomada por figuras subalternas, sem o conhecimento do
chefe do governo. Nada disso. Tratava-se, pelo contrário, de um procedimento de
importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao
funcionamento do governo. Portanto, Lula não apenas sabia do mensalão como
contava com o apoio dos mensaleiros para governar.
Certamente, o leitor perguntará:
por que Lula, esperto como é, arriscou-se tanto? Pela simples razão de que não
desejava dividir o poder com nenhum partido forte, capaz de lhe impor
condições. Como é próprio de seu caráter e de seu partido, só admitia aliança
com quem não lhe ameaçasse a hegemonia.
Não estou inventando nada. Todo
mundo leu nos jornais, logo após a vitória nas eleições presidenciais, que José
Dirceu articulava a aliança do novo governo com o PMDB.
Só que Lula não aceitou e, em seu
lugar, buscou o apoio dos pequenos partidos, aos quais não teria que entregar
ministérios e altos cargos nas estatais. Em vez disso, os compraria com
dinheiro. E foi o que fez, até que, inconformado, Roberto Jefferson pôs a boca
no mundo.
Lula, apavorado, advertiu os seus
comparsas para que assumissem a culpa, pois, se ele, Lula, caísse, todos
estariam perdidos. E assim foi para a televisão, disse que havia sido traído e
se safou.
Bem mais tarde, com a cara de pau
que o caracteriza, afirmou que nunca houve mensalão mas, ainda assim, tentou
chantagear um ministro do Supremo. Afinal, por tudo isso, recebeu o título de
doutor honoris causa! Merecidíssimo,
claro!
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