segunda-feira, 4 de março de 2013

Crônicas - O Desacordo Ortográfico da Língua Portuguesa


O Desacordo Ortográfico da Língua Portuguesa

José Maurício Guimarães

No dia 1º de janeiro de 2009 escrevi um texto que deu início a uma série de postagens no meu blog Ekislibris -www.zmauricio.blogspot.com – e no envio de e-mails aos meus pacientes leitores. Eu estava com medo de escrever. Anunciava-se, a partir de então, o início do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Entrei em pânico, apesar dos anunciados quatro anos para nos adaptarmos às metamorfoses empurradas goela abaixo: o prazo terminaria agora, em 2013. Para Portugal, o prazo fixado foi maior, pois eles não aceitariam (como acabaram não aceitando) essas broncas invenções desajeitadas e toscas que só beneficiam a preguiça e a incompetência.



A abolição do trema só foi providencial para os delinquentes que já não tremem nem temem; a mudança no ditongo aberto fez que assembleia não tivesse mais o acento, só assentos (nada foi dito se esses assentos continuariam a ser ocupados por parlamentares; um golpe a mais e todos os acentos haveriam de cair, se é que vocês me entendem). Mas houve benefícios extensivos ao povo em geral: ninguém mais sentiu enjôo e sim enjoo, um bom começo para quem viaja de navio ou assiste às novelas e programas de domingo na tv. Para internacionalizar cada vez mais o idioma dominante (o inglês) foram incluídas, definitivamente, as letras k, w e y. Os teclados de alguns aparelhos já não contemplam o acento grave (isso é grave), nem o circunflexo, nem o til. A cedilha já teria morrido há muito tempo se bondosos nerds não tivessem preservado o sutil rabinho da letra ‘c’ com que se escreve inguinorança. 



Mas como era de se prever, um decreto presidencial publicado às pressas no dia 28 de dezembro 2012, adiou a obrigatoriedade de uso do Acordo para 1º de janeiro de 2016. “Vai mudar muito pouco a realidade brasileira”, afirmou com cândida obviedade o professor e membro da Academia Brasileira de Letras, Domício Proença Filho – noutras palavras: se vocês pensavam que o acordo ortográfico resolveria os graves problemas nacionais (saúde, educação, cultura, PIB, royalty do petróleo-é-nosso, mensalões, operação porto-seguro, drogas, violência) estiveram muito enganados. “O que vai acontecer, explicou Proença Filho, é que as regras vigentes vão continuar convivendo com as novas regras”. Seria trágico se não fosse cômico! Prevalecerá, isto sim, a pachorra brasileira: seguiremos em convívio (ou conluio) com o besteirol, tudo “como dantes no quartel de Abrantes”, com as coisas mal resolvidas criadas pelo sistema (entendam ‘quartel de Abrantes’ no sentido napoleônico e figurado). Quanto a isso, o noticiário nos informa que o adiamento da vigência do acordo ortográfico teve apoio de muitos políticos, pois alguns deles ainda estão sendo alfabetizados.



Quatro anos depois de minha profecia, os doutos acadêmicos constataram que a mídia brasileira, com pouquíssimas exceções, adotou as novas regras. Como vocês podem ver, em matéria de profecia eu sou melhor do que os maias. Quanto à ortografia, continuo o mesmo: errando e acertando, apesar das muitas gramáticas e compêndios que comprei na vã tentativa de entender esse acordo ou (patuscada) de Babel.



Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe que assinaram o acordo em 1990 e já começavam a escrever português errado, entraram em pânico. O Timor-Leste, que ainda não era uma nação independente, só aderiu ao acordo em 2004, mas também entraram em pânico.



Que geringonça: em Portugal, a reforma foi ratificada e promulgada em 2008 e as novas regras entraram em vigor em maio de 2009, mas com a previsão de se tornarem obrigatórias após seis anos, ou seja, em 2015. Moçambique diz que não aceitará pressão sobre prazo para adotar acordo e, juntamente com Angola, não ratificou o documento. Já se fala numa guerra de línguas no continente africano: os que usam trema atirarão hífens e circunflexos sobre seus inimigos de fronteira. A ONU pensa em intervir substituindo o português pelo esperanto. Os pessimistas afirmam que no futuro só haverá duas línguas: os pobres falarão espanhol e os ricos, o inglês. Mas os otimistas (alquimistas e magos) afirmam que só “haverão” duas línguas, o português e o portoseguro. 



Enquanto isso, as editoras aproveitam para desovar nas liquidações os estoques antigos (com trema) e lançar novas edições (sem trema) muito mais caras.



É o preço que estamos pagando antes da Copa (facilis aditus); os juros serão cobrados em 2015 (difficilis exitus)*. Até lá, sigam meu conselho: escrevam como bem entenderem.

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(*) facilis aditus, difficilis exitus: expressão latina referente ao labirinto - fácil de entrar, difícil de sair.



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